terça-feira, 20 de setembro de 2011

Pessoas II

Mais dois desenhos da série Pessoas. Pessoas 22 e Pessoas 14 respectivamente, técnica mista sobre papel.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O Bando

"Na primeira noite, arrancharam-se numa tapera que apareceu junto da estrada, como um pouso que uma alma caridosa houvesse armado ali para os retirantes. O vaqueiro foi aos alforjes e veio com uma manta de carne de bode, seca, e um saco cheio de farinha, com quartos de rapadura dentro. Já as mulheres tinham improvisado uma trempe e acendiam o fogo. E a carne foi assada sobre as brasas, chiando e estalando o sal..."

Trecho de O Quinze, Raquel de Queiroz

Quadro em acrílico sobre tela, O Bando, 50x30cm

sábado, 10 de setembro de 2011

O Oleiro

Quadro em acrílico sobre tela, O Oleiro, 50x40cm.

Esse quadro foi utilizado na capa do CD da banda Sal da Terra.
Quem quiser conhecer mais sobre a banda e os seus projetos valiosos, pode clicar aqui.

Abaixo a capa finalizada
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sábado, 3 de setembro de 2011

Retratos


      "Estimam-me como pintor os meus clientes. Ninguém mais. Diziam os críticos (no tempo em que de mim falaram, breve e há muitos anos) que estou atrasado pelo menos meio século, o que, em rigor, significa que me encontro naquele estado larvar que vai da concepção ao nascimento: frágil, precária hipótese humana, ácida, irónica interrogação sobre o que farei sendo. «Por nascer.» Algumas vezes me tenho demorado a reflectir sobre esta situação, que, transitória para o geral das gentes, em mim se tornou definitiva, e noto-lhe, contrariamente ao que se poderia esperar, uma certa aresta estimulante, dolorosa sim, mas agradável, gume de faca que prudentemente se tacteia, enquanto a vertigem de um desafio nos faz apertar a polpa viva dos dedos contra a certeza do corte. É isto que sinto (ou de maneira confusa, sem gumes nem polpas vivas) quando começo um novo quadro: a tela branca, lisa, ainda sem preparo, é uma certidão de nascimento por preencher, onde eu julgo (amanuense de registo civil sem arquivos) que poderei escrever datas novas e filiações diferentes que me tirem, de vez, ou ao menos por uma hora, desta incongruência de não nascer. Molho o pincel e aproximo-o da tela, dividido entre a segurança das regras aprendidas no manual e a hesitação do que irei escolher para ser. Depois, decerto confundido, firmemente preso à condição de ser quem sou (não sendo) desde há tantos anos, faço correr a primeira pincelada e no mesmo instante estou denunciado aos meus próprios olhos. Como naquele desenho célebre de Bruegel (Pieter), aparece por trás de mim um perfil talhado a enxó, e ouço a voz dizer-me, uma vez mais, que não nasci ainda."

Autoretrato, acrílico s/tela, 90x70cm

"Apesar das insuficiências que me deu para aqui confessar, sempre soube que o retrato justo não foi nunca o retrato feito. E mais: sempre julguei saber (sinal secundário de esquizofrenia) como devia pintar o justo retrato, e sempre me obriguei a calar (ou supus que a calar-me me obrigava, assim me iludindo e cumplicitando) diante do modelo desarmado que se me entregava, tímido, ou, pelo contrário, falsamente desenvolto, apenas certo do dinheiro com que me pagaria, mas ridiculamente assustado diante das forças invisíveis que vagarosas se enrolavam entre a superfície da tela e os meus olhos. Só eu sabia que o quadro já estava feito antes da primeira sessão de pose e que todo o meu trabalho iria ser disfarçar o que não poderia ser mostrado. Quanto aos olhos, esses estavam cegos. Assustados e ridículos estão sempre o pintor e o modelo diante da tela branca, um porque se teme de ver-se denunciado, outro porque sabe que nunca será capaz de fazer essa denúncia, ou, pior do que tudo isso, dizendo a si mesmo, com a suficiência do demiurgo castrado que se afirma viril, que só a não fará por indiferença ou piedade do modelo."


Casal Feliz, acrílico s/tela, 70x50cm

"Há ocasiões em que penso e me convenço de que sou o único pintor de retratos que resta, e que depois de mim não se perderá mais tempo em poses fatigantes, a procurar semelhanças que a toda a hora se escapam, quando a fotografia, agora feita arte por obra de filtros e emulsões, parece afinal muito mais capaz de romper as epidermes e mostrar a primeira camada íntima das pessoas. Divirto-me a pensar que cultivo uma arte morta, graças à qual, por intermédio da minha falibilidade, as pessoas acreditam fixar uma certa agradável imagem de si mesmas, organizada em relações de certeza, de uma eternidade que não começa só quando o retrato se conclui, mas que vem de antes, de sempre, como alguma coisa que existiu sempre só porque existe agora, uma eternidade que é contada no sentido do zero. Na verdade, se qualquer retratado pudesse, ou soubesse, ou quisesse, analisar a espessura pastosa, informe, dos pensamentos e emoções que o habitam, e tendo analisado encontrasse as palavras correntes que tornariam líquidos e claros esses pensamentos e acções, saberíamos que, para ele, aquele seu retrato é como se tivesse existido sempre, um outro-ele mais fiel do que o-ele de ontem, porque este não é já visível e o retrato sim."


O Pequeno Theo, acrílico s/tela, 60x45cm

"Repito que os melhores retratos nos dão a sensação de terem existido sempre, mesmo que o bom-senso me esteja dizendo, como diz agora, que «O Homem dos Olhos Cinzentos» (Tiziano) é inseparável daquele Tiziano que o pintou num momento da sua pessoal vida. Porque se neste instante em que estamos alguma coisa participa da eternidade, não é o pintor, mas o quadro."

Alexandre Mauj (acrílico sobre tela)

"Um retrato que deveria conter certa solenidade circunstancial, aquela que não espera dos olhos mais do que um olhar, e depois a cegueira, veio a ser marcado (está sendo marcado agora mesmo) por uma prega irónica que não tracei em nenhum lugar do rosto, que talvez não esteja sequer no rosto de S., mas que dá à tela uma deformação, assim como se alguém a estivesse torcendo, simultaneamente, em dois sentidos diferentes, como fazem às imagens os espelhos irregulares ou defeituosos. Quando sozinho olho o quadro, vejo-me em criança por trás dos vidros de uma das muitas casas onde vivi, e vejo aquelas bolhas elípticas das vidraças de má qualidade que eram as dessas casas, ou aquele jeito de mamilo impúbere que o vidro às vezes toma, e para além um mundo distorcido, que fugia da vertical quando eu deslocava o olhar num sentido ou noutro da vidraça. O retrato, a tela, esticados sobre a armação, oscilam diante dos meus olhos e vão ondulando, fugindo, e sou eu quem desvia o olhar vencido e não a pintura que se abre compreendida."

Textos extraídos da obra "Manual de Pintura e Caligrafia" de José Saramago.

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